quarta-feira, 6 de março de 2013

Libertação em tempos de graça I - Entre a lei e a graça


"Não alcançamos a liberdade buscando a liberdade, mas sim a verdade. A liberdade não é um fim, mas uma consequência." (L. Tolstoi)



Ultimamente, muito se tem falado sobre o ministério de libertação.  Até bem pouco tempo atrás, o exercício da libertação era confundido com o ato de expulsar demônios.  Aos poucos, porém, tem ficado claro que todos os cristãos possuem a autoridade para expulsar demônios, porém, nem todos são especialmente vocacionados para o ministério de libertação.  Ao entendermos que o ministério de libertação exige um certo dom para o aconselhamento e o discipulado, surge uma outra questão:  o ministério de libertação atende a todos?

Embora possa surpreender a muitos, a verdade é que nem todos estão na posição de serem completamente libertos, não importa o que os integrantes desse ministério possam fazer.  Para que eu e você possamos ser livres de fato é preciso que compreendamos e aceitemos integralmente a Graça de Deus.  Quase a totalidade dos cristãos declaram que vivem sob a graça, mas, embora acreditem nisso, boa parte de nós já abandonou a graça há muito tempo e não percebeu.  No ato da conversão, tomamos posse da graça de Deus como um náufrago que se apóia em um último pedaço de madeira boiando em alto mar.  Entretanto, o tempo se encarrega de nos conduzir de volta à lei.  Esse é um caminho que trilhamos naturalmente, sem questionamentos, de forma sutil.  E porque isso acontece?  Porque, afinal, após sermos libertos por Cristo, voltamos a viver sob o regime da lei?

Para compreendermos esse processo, precisamos antes entender porque a lei fôra criada.  Tudo começou porque o pecado entrou na vida do homem.  A queda original trouxe consigo a necessidade de redenção.  Era necessário fazer algo por um ser humano decaído, naturalmente propenso ao pecado e que, sem um plano divinamente articulado, estaria condenado por toda a eternidade. A lei foi o meio escolhido por Deus para realizar essa redenção.  Através da obediência à lei, as pessoas tinham a oportunidade de se manterem protegidas de sua própria natureza carnal e pecaminosa. Porém, por serem dotadas dessa natureza carnal propensa ao pecado, não era possível um completo cumprimento da lei.  Por mais que tentasse acertar em tudo, o homem sempre caía em algum mandamento e é aí que entram os sacrifícios pelo pecado do povo, mediante os quais o sacerdote era o intermediário entre o povo e Deus, realizando a matança de animais para que o sangue derramado aplacasse a ira divina.  Note que desde o princípio, o ser humano só poderia ser redimido pelo sangue.

Quando Jesus veio à Terra, trouxe consigo a graça de Deus.  Ao ser crucificado e morto, ele mesmo se entregou como o cordeiro imaculado, o último dos sacrifícios que, por ser perfeito, dispensa qualquer outro sacrifício a partir daquele momento.  A conta pelos nossos pecados estava, então, definitivamente paga pelo Redentor.  A autoridade que o homem havia dado ao diabo, por ocasião de sua queda original, havia sido, finalmente, restaurada ao primeiro dono.  Jesus morreu, foi ao inferno, recuperou a chave dessa autoridade para nós, retornou à Terra, ressurreto, ascendeu ao céu e lá se mantém, como nosso intercessor.  Por isso, temos livre acesso ao Pai, pelo sangue de Jesus, e não precisamos mais fazer sacrifícios pelos nossos pecados.  Simples assim.  Mas, a questão é: porque deixamos a graça e voltamos para a lei?  O motivo é igualmente simples:  a lei é previsível e palpável e a graça é imprevisível e subjetiva.  Sentimos segurança na lei, pois, basta obedecermos a mandamentos para sermos abençoados e, caso sejamos desobedientes, teremos o nosso castigo.  Parece-nos justo e óbvio que assim seja.  A graça, porém, é algo difícil de entender.  Não merecemos, não pagamos por ela, não fizemos nada para ser dignos dela e, mesmo assim, ela está sempre disponível.  Não entendemos esse amor e não é fácil aprender a receber por algo que não podemos pagar.  A lei nos dá uma suposta tranqüilidade, a graça nos constrange.  Assim, inconscientemente, abandonamos a graça e voltamos para a lei.  Esse é um dos principais perigos que o cristão deve enfrentar em sua caminhada evangélica, pois, ao perdemos a graça, perdemos tudo.

O fato é que o cristão não tem a opção de viver pela lei ou pela graça.  Ou vivemos pela graça, ou estamos apartados de Deus, já que o sangue de Jesus nos torna aceitáveis a Deus pela graça.  É como uma árvore, onde a raiz é a fonte de todo o alimento que os ramos receberão.  Nós somos os ramos, a raiz é Deus-Pai e o caule é Jesus Cristo.  Corta-se o caule e os galhos morrem, pois, eles só podem ser alimentados através da seiva que percorre o caule.  Sem Jesus, somos como galhos soltos, à mercê do vento, condenados a secar até a morte.  A raiz em si mesma tem todo o potencial de vivificar os ramos, mas, estes dependem do caule para receber essa vida.

A lei não é mais um caminho válido e os que decidem caminhar por ela estejam certos de que estão cuspindo no sacrifício de Jesus e rejeitando a obra da cruz, pois, toda a obra da cruz trata-se de uma só coisa:  disponibilizar a graça para a humanidade.  Indo mais longe, aqueles que desprezam esse sacrifício, estão destituídos da salvação.  Jesus foi bastante objetivo quando disse que, no grande dia, muitos iriam questioná-lo porque não estavam salvos, já que profetizaram, curaram e libertaram em seu nome.  A sua resposta será:  apartem-se de mim, pois, não os conheço.  Se Jesus não conhece essas pessoas é porque elas não tinham comunhão com ele (Mateus 7.21-23).

Podemos, sim, supostamente fazendo a obra de Deus, crendo percorrer o caminho certo e estarmos enganados.  Jesus não vê a atitude do corpo, mas, a atitude do coração.  Podemos orar por horas, ajudar os necessitados, visitar os doentes e muitas outras coisas, porém, com a motivação errada e com o coração apartado de Deus.  Há muitos cristãos hoje fazendo a obra de Deus sem Deus.  Pessoas muito ativas no serviço ao Senhor que abrigam em seus corações motivações questionáveis, geralmente baseados em traumas do passado que geraram complexos de inferioridade, rejeição e perfeccionismo.  Muitos crêem que serão salvos porque fazem muito pela obra, mas, esquecem que a salvação é um dom gratuito e não depende de obras, mas, de comunhão com Cristo.  Aceitam Jesus e acham que dali por diante são uma máquina de realizar boas obras e que isso garantirá o seu passaporte para o céu.  Isso é voltar para a lei, é ser religioso, é ser um fariseu em tempos modernos – raça de víboras! (foi Jesus que falou!).

Por fim, o que tudo isso tem a ver com libertação?  A libertação é para o povo de Deus que vive na dispensação da graça.  Se você não compreende e não aceita a graça, acredite, você não está vivendo na dispensação da graça e, portanto, não está salvo e não poderá usufruir de uma libertação completa.  Triste e dura notícia.  Precisamos refletir sobre o que temos feito da obra da cruz e de como temos lidado com a graça de Deus.  Muitos líderes estão deixando de pregar a graça porque é um tema controverso, difícil de tratar, que envolve um equilíbrio difícil de alcançar e pode levar a desmandos e ao abuso – dá trabalho trabalhar o conceito de graça entre o povo de Deus.  Muitos deles temem que o indivíduo, ciente do que a graça significa para sua vida, possa sair  de debaixo das suas asas e conquistar o seu próprio espaço.  Humanamente falando, temos dificuldade em admitir que as ovelhas não são nossas, mas, de Cristo.
 
As igrejas estão cheias de pessoas que usurpam a liderança de Deus em benefício próprio, na sórdida intenção de controlar as ovelhas e mantê-las “suas”.  Pastores e lideres de todo o tipo que usam a autoridade delegada por Deus para manipular e dominar as ovelhas, fazendo com estas se tornem seres dependentes deles para tudo.  Tem gente que simplesmente não sabe como discernir a vontade de Deus porque não têm o hábito de falar com Deus;  falam somente com os líderes e estes, por sua vez, são os responsáveis por mediar a resposta divina para suas vidas.  Isso é voltar para a lei.  É como o povo fazia no tempo de Moisés, em que este era o mediador entre o povo e Deus.  Entretanto, o véu se rasgou e hoje temos liberdade para falar com Deus diretamente.  Podemos e devemos, sim, nos aconselhar com homens e mulheres de Deus mais experientes que nós, mas, não devemos depender deles para tomar as nossas decisões, por mais difíceis que elas sejam.  Temos que depender somente de Deus, que não tolera altares paralelos e não divide Sua glória com ninguém.  A Bíblia diz que isso é o mesmo que um cego guiando outro cego – no final das contas, todos nós somos cegos e nossa única fonte de luz é o Senhor.

As igrejas estão contaminadas pelo espírito de religiosidade e o resultado disso é que muitas pregam prioritariamente o Antigo Testamento.  O Novo Testamento traz um conceito de liberdade difícil de trabalhar, mas, o Antigo Testamento parece ser uma base segura.  Pode até ser, mas, não é a base ideal.  O lugar certo para basearmos nossa caminhada cristã é em Jesus Cristo e isso está descrito no Novo Testamento e, não, no Antigo Testamento.  Este, certamente tem o seu valor, mas, é preciso lembrar que ele aponta para Jesus, enquanto o Novo Testamento nos revela Jesus.  Se somos cristãos, devemos conhecer a Cristo e Ele está revelado no Novo Testamento.  Evitar os temas controversos do Novo Testamento representa segurança para a liderança, mas, mantém o povo debaixo de um jugo, muitas vezes, pesado demais e que, portanto, não provém de Deus.  As denominações estão cheias de “isso pode” e “isso não pode”.  Comumente, as ovelhas não têm autonomia para nada e precisam da aprovação dos seus líderes até para as decisões mais simples do dia a dia!  O homem se engrandece a tal ponto que acredita mesmo ser o representante máximo de Deus na terra.  Não nos enganemos:  pastores também são ovelhas de Deus, como nós.  São chamados a apascentar e, não, a dominar.  Estão trilhando a mesma estrada que as ovelhas e dependem também de Deus para não errar o caminho.

Há uma conversa fiada que corre por aí de que Deus só fala com os pastores.  Mentira!  Deus fala com você também.  Não se trata de fazer como Miriã e Arão, que se revoltaram contra a liderança de Moisés.  Não! Trata-se somente de assumir a responsabilidade por seu próprio crescimento espiritual, sem colocar sobre os seus pastores o peso de todas as suas decisões e atitudes.  Muitos recém convertidos tem uma comunhão especialíssima com Deus, o que pode até gerar inveja nos cristãos mais “velhos”.  Quando nos convertemos, somos bebês espirituais e os nossos líderes são necessários ao nosso crescimento sadio.  Isso deveria gerar temor nos líderes, pois, o sangue desses neófitos serão requeridos de suas mãos.  Muitos têm se aproveitado da inocência do recém-convertido e gerado uma relação de dependência que beira à idolatria.  Esse cristão jamais chegará à maturidade sendo tratado dessa forma.  É preciso preparar esses pequeninos para tomar suas próprias decisões.  E como se faz isso?  Dando-lhes liberdade para escolher os seus caminhos – orientação sem manipulação, sem dominação.  Líder, se essa ovelha for levada para outro aprisco e não souber levar a vida sozinha, os seus erros serão colocados na sua conta!  É preciso dar-lhes oportunidade de fazer escolhas, permitir que tentem e, porque não, que errem, que caiam e se machuquem.  E, quando se machucarem, você deve estar lá, de prontidão para ajudar-lhes a se levantar.  Ai dos líderes que viram as costas para a ovelha caída, não importa o quanto ela já tenha errado ou sido insubmissa.  Os líderes não devem esperar recompensas por exercerem o seu chamado, devem apenas realizá-lo de forma digna.

Essa ovelha precisa crescer.  O tempo passa e ela já não precisará de alguém para  segurá-la pela mão.  Os líderes podem muito bem se manter a uma distância segura e deixar que as ovelhas caminhem por si só.  Essas ovelhas devem estar preparadas para dar os primeiros passos sem segurar em nada mais, a não ser nas mãos de Deus.  Isso gerará maturidade espiritual, sendo capaz de decidir sua vida baseado na comunhão que tem com Deus.  Mas, o que as igrejas têm feito?  Têm impedido o crescimento das ovelhas.  Deixam que as pessoas fiquem imobilizadas na primeira infância e jamais cheguem à maturidade.  O resultado disso?  Um monte de líderes exaustos porque não dão conta de tantos cristãos imaturos.  Uma Igreja doente, cheia de cristãos que precisam ser carregados pela mão, mesmo após vários anos de convertidos.  Pessoas necessitadas de libertação, cura do corpo e da alma, incapazes de assumir uma liderança e exercê-la de forma eficaz.  Pessoas morrendo de sede bem em frente à fonte de águas vivas!

Há líderes fechando as portas do céu para si mesmos e a congregações inteiras.  Ai de vocês que tomam a glória de Deus para si e não apascentam as ovelhas!  Por outro lado, há cristãos que se acomodam no colo de seus líderes e esquecem que estes são seres humanos também e cometem erros igualmente.  Estão colocando a responsabilidade de sua salvação nas mãos de homens.  Ai destes também, insensatos, vão todos para o inferno juntos, de mãos dadas!

Acorda, Igreja!  Se você é líder, analise o seu estilo de liderança.  A Palavra de Deus nos diz que o povo está sendo destruído porque lhe falta conhecimento (Oséias 4.6).  O argumento de que você tem as melhores intenções não vai surtir efeito, pois, diz o ditado que, de boas intenções, o inferno está cheio.  Deus não vai aceitar a sua ignorância como desculpa por seus erros deliberados.  Reveja os seus conceitos, abra mão do ativismo e dedique-se a ouvir mais a Deus do que ao seu próprio ego.  Você poderá se surpreender com o que Ele vai te dizer.  Muitos hão de ouvir que já estão em caminhos tortos há muito tempo e que devem retornar o quanto antes.  Faça isso enquanto há tempo, esteja disposto a ouvir a correção e se concertar com Deus antes que seja tarde para você.

Se você hoje é somente uma ovelha, um membro da igreja local, saiba de uma coisa:  não importa o que você seja ou tenha sido no passado, Deus tem uma liderança para você.  Deus não chama esquentadores de banco de igreja, Ele chama líderes. Portanto, um dia, você deve estar apto a exercer uma liderança e ser tudo aquilo que Deus deseja que você seja.  Não se acomode à vontade dos homens, antes, esteja certo da vontade de Deus para sua vida.  Lembre-se de continuar amadurecendo, ainda que muitos desejem que você seja uma eterna criança.  Não abra mão da liberdade que Jesus conquistou para você, para se relacionar diretamente com Deus, sem intermediários, pois, vai chegar um tempo em que você terá que ter muita coragem para assumir o seu chamado e afirmar o seu ministério diante dos homens.  Nesse dia, será melhor que você seja dependente somente de Deus ou o homem poderá ser instrumento do inimigo para desviá-lo do seu caminho.  Além disso, não se torne um peso para a sua liderança, busque o seu crescimento espiritual, de modo que, um dia, ao invés de procurar por conselhos, você esteja pronto a colaborar com os seus líderes e aconselhar outros.

Amados, essa é uma palavra dura, porém, necessária.  Eu convoco você a repensar sua vida espiritual e ministerial nesse momento.  Ainda que você não concorde comigo, abra o seu coração para ouvir de Deus o que Ele mesmo pensa sobre você e de como tem conduzido sua vida e chamado.  Comente este texto, você é livre para isso, mas, não deixe que essa palavra simplesmente morra à míngua.  Lembre-se:  Todos pecamos e destituídos estamos da glória de Deus. Esse texto tem continuação, em mais quatro partes, que estarão disponíveis em breve.

Que Deus te abençoe!
XL